terça-feira, 3 de setembro de 2024

Anotações sobre Os funerais da Mamãe Grande


Os funerais da mamãe grande. Livro de contos de Gabriel Garcia Márquez. Por fim, não só Macondo está construída, mas o estilo do autor. Faltam ainda o fantástico, o realismo mágico que definirá, finalmente, a literatura de Gabo. O clima de opressão, pesado, estéril e sem saída de O veneno da madrugada e Ninguém escreve ao coronel se ilumina, ganha brilho e alguma transcendência (que se realizará em Cem anos...)

E o que há de novo em Os funerais da mamãe grande?

Comecemos pela uso pleno da hipérbole, o excesso descritivo, a entrega à exuberância da linguagem cheia de adjetivos para construção de metáforas, alegorias, comparações metafóricas, metonímias, sinestesias etc. Os períodos longos, retorcidos, com antecipações e recuos na ordem narrativa se espraiam. No caos da falta de linearidade presente e passado se misturam, refletem, mostram a continuidade de ações, erros, repetições (como dos nomes). Daí também a importância da História, que é memória e recua ate o mito. Em Os funerais...Gabo perde o temor do exotismo da cor local, assume os territórios, reinventa caribes e se entrega ao deslumbramento com a descrição da natureza tropical. Nao bastasse a paisagem, ele se entrega também ao melodrama sentimental novelesco, narrado como quem conta a uma roda.

As técnicas cinematográficas de dramatizar epicamente (e não apenas narrar) fazem com que ações definam os personagens, não se restringindo a meros sumários biográficos, o que confere à escrita uma dinâmica ausente nas obras anteriores.

Nos funerais... retornam os mesmos personagens das obras anteriores, mas reconfigurados, muitas vezes alterando-se seu caráter e permanecendo apenas o nome. Mais que "excêntricos", a singularidade do caráter dos personagens se faz por suas idiossincrasias, obsessões, um jogo entre a passionalidade feminina e a brutalidade macha. Vaidades/orgulhos extremos, predisposição à autodestruição e desencanto permeiam os temperamentos.

E à revelia da total falta de sobriedade realista, subjaz a História, o regional e o romance social, de denúncia da opressão, da desigualdade social, das injustiças nunca aplacadas. O tempo convertido em memória se desfaz em esquecimento e com ele a repetição dos erros, o eterno recomeçar. Se os canalhas vencem e se dao bem, no final são vencidos pelo tempo, que converte o poder em decrepitude.

As grandes frases de efeito para fechamento de cenas e narrativas se tornam assinaturas.

O mundo segue duro, opressivo, de extremos socioeconômicos, assimetria de poder. Mas no caos do mundo, uma humanidade se impõe com ternura e encantamento.